Sabe no meu apartamento sempre teve uma coisa esquisita. Não é exatamente dentro do meu apartamento, na verdade é no andar que eu moro, mas é como se fosse o jardim de casa, então eu chamo de meu apartamento mesmo.
Aqui no corredor de fora de casa, tem uma porta grande e pesada que da para um espaço apertado e que tem outra porta. Abrindo essa última porta da para ver a escada de emergência do prédio. Só que nesse espacinho entre uma porta e outra, o pessoal coloca os lixões do andar. Mas lá também tem uma janela com quase a largura da parede, mas bem achatada e com uma grade de proteção com apenas uns pequenos buracos.
Eu sei que sou pequenino, mas gosto de ajudar em casa, por isso, de vez em quando eu levo o lixo até lá, nesse espacinho. Sempre gostei de ir lá, apesar de morrer de medo toda vez. Sempre que abro a primeira porta, já começa aquela sensação, de que algo está por perto, algo está me observando. Aí eu corro e coloco o lixo bem rapidão, só para não ser pegue por essa coisa.
Não sei para que serve essa janelinha lá do espacinho, porque ela fica virada como se fosse para dentro do prédio, mas lá não deveria ter espaço para caber nada, nada mesmo. Bem, talvez umas baratas ou alguns bichinhos pequenininhos, mas nada grande, pelo menos, nada grande como ele.
Sempre foi assim, desde que me lembro, eu sempre tive medo daquele espacinho, mas sempre gostei de ir lá e abrir aquela porta, era como se fosse uma prova de coragem, sei lá. Só sei que é legal.
Ah, e não só sou eu que tenho medo de lá, os meninos dos outros andares que eu brinco também tem medo, eles também acham que tem algo lá, que fica olhando para a gente. Nós até já contamos para nossos pais, mas os meus sempre disseram que era minha imaginação, e os dos meus amigos diziam para eles deixarem de brincadeiras bobas.
Foi então que houve um barulho estranho. Um barulhão vindo lá da cozinha, parecia até que alguém tinha entrado em casa com um trator. Eu acordei com o barulho e fiquei assustado, e logo que me levantei da cama papai veio me pegar e levar para o quarto dele. Ele estava com cara de assustado, que nem quando meu amigo Pedro caiu e quebrou o braço.
Então três homens entraram no quarto da gente. Eles gritavam muito, e não pude entender bem o que eles falavam, só sei que papai gritava com eles também. Então eles pegaram o papai e a mamãe e levaram para a cozinha. Depois um outro veio me pegar. Quando cheguei na cozinha papai estava ajoelhado no chão e mamãe estava sentada na pia. Os homens seguravam pistolas, que nem as de plástico que eu brinco de polícia e ladrão, mas só que essas eram de metal mesmo.
Um deles bateu na mamãe e começou a tirar as roupas dela. Mamãe gritava muito, mas o homem só tampava a boca dela. Achei estranho, porque o homem começou a tirar as calças, que nem quando eu vou fazer pipi. Será que ele ia fazer xixi em cima da mamãe? Papai tinha me dito que isso era muito feio, pois eu já tinha feito xix em cima de alguém quando era menor.
Papai ficou muito nervoso e agarrou o braço do homem que segurava a pistola para ele. Então um estouro grande que me fez fechar os olhos sem nem pensar e também quase me fez ficar surdo. Ouvi que mamãe começou a gritar e depois passos correndo, aí eu ouvi outro estouro.
Eu já estava quase surdo, só ouvia um ziiiimmm no meu ouvido, e aí eu decidi abrir os olhos. Foi quando eu vi mamãe e papai deitados no chão, cheios de tinta vermelha. Tentei acordá-los, mas eles não se mexiam. Chamei: Mamãe, papai, mas eles não respondiam.
Um dos homens, o grandalhão, veio com aquela mãozona para me pegar, mas eu senti que tinha que correr, fugir daqueles homens. Então minhas pernas se mexeram antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo. Não sei por que, mas eu sentia que tinha que ir para o espacinho e me esconder lá.
A luz da escada não funciona no meu prédio, tem que pedir para o porteiro acender, então eles poderiam não conseguir me enxergar lá, bastava que eu ficasse onde a luz do corredor não iluminava.
Entrei lá bem rápido e me encostei na parede.
A única coisa que ouvia era o ziiiimm no meu ouvido, mas eu podia sentir que eles estavam se aproximando, sentia um aperto no meu peito, como quando nós brincamos de pique-esconde e a pessoa que está procurando está bem perto da gente. Fechei os olhos e comecei a pedir para alguém me ajudar, mas pedi falando só comigo, sem mexer a boca, para que só eu pudesse escutar. Por favor, alguém me ajude.
O aperto no peito aumentou e aumentou, até para de aumentar e ficar parado. Depois de um tempo o aperto começou a diminuir e diminuir, e quando parou eu abri os olhos. Foi então que vi. Havia os pés de um dos homens no chão, como se ele estivesse, deitado, com os dedos dos pés apontado para o teto. A porta da escada estava fechada em cima da perna dele e só dava para ver os tênis e um pouco da calça dele, mas que der repente começou a se arrastar para dentro, como se ele deslizasse no chão de costas, parecendo uma cobra na TV.
Quando os pés do homem entraram todo na escuridão, eu vi as duas bolinhas vermelhas na escuridão, eram redondos e piscavam, eram... eram... eram como olhos redondos como bolinhas e que brilhavam vermelho. E uma grande mancha branca surgiu na região que estava meio iluminada, mas na verdade não era uma mancha, era uma grande boca cheia de dentes brancos. E um dedo com uma unha bem grande e preta apareceu na frente da boca, e Ele fez chiiiiii! E sumiu para dentro da escada com o homem.
Quando eu saí do espacinho, vi que tinha tinta vermelha para todos os lados, na parede, no teto e no chão, e os três homens não estavam mais no corredor nem em casa. No andar estávamos apenas mamãe, papai, eu e Ele.