Acho que vocês já devem ter passado por essa situação. Você tem um grupo (mesa) de RPG que jogam há anos a fio. Geralmente passam muito tempo jogando uma campanha, pelo menos um ano; tem preferência por um ou dois sistemas, e por mais que alguns do grupo tenham lido outro sistema e até conseguido empolgar alguns, vocês sempre voltam a fazer campanhas duradouras apenas nos sistemas que a mesa já está acostumada. Isso soa familiar para você?
Pois é, pode até ser que a situação não seja em assim, mas uma coisa é certa. Sempre vale a pena experimentar coisas novas. Não precisar mudar toda a vida da mesa para jogar algo novo, nem fazer planos mirabolantes, apenas entrar em contato com coisas novas ou diferentes. É comum nos acostumarmos com as coisas que fazemos com frequência por muito tempo, mas a mudança, a novidade pode acrescentar coisas novas e, por vezes, boas ao que já estamos acostumados. Não é preciso abandonar o sabor conhecido, só provar outro e ver se vale à pena acrescentar algo ao que já saboreamos.
Falando em RPGês, depois de se jogar um bom tempo em um sistema, é bom se aventurar em um sistema totalmente desconhecido, para trazer novos ares ou novas inspirações. Sou muito fã da linha Storyteller. Comecei a jogar com essa linha e não conhecia outras. Foi muito bom, mas depois quis conhecer outras coisas. Experimentei várias, mas sempre voltava ao Storyteller.
Depois veio o Storytelling. Humm, novidade de linha parecida, mas não exatamente igual. Paguei para ver (literalmente). Tem coisas boas e coisas ruins, mas não posso dizer se é melhor ou pior, mas com certeza posso dizer que é diferente. O problema é que a feiúra que vemos todo dia é menos difícil de olhar que a feiúra que vemos pela primeira vez.
É preciso dar um tempo, se acostumar com a novidade. Provar os gostos diferentes e deixar o paladar se acostumar com a diferença. Mas o problema é que vejo muito bairrismo nas mesas de RPG, pessoas querendo defender “seus” sistemas. Para começo de conversa, o sistema é de quem criou. Em segundo lugar, não tem essa de melhor ou pior, e sim do que você gosta ou não. Vai dizer que você não conhece pessoas que jogam algum sistema arcaico de RPG e adora o que joga e não acha que tem tantos problemas?
RPG é diferente de um carro, de um computador. Ele não tem requisitos mínimos, potência, velocidade. É só história e uma forma de contar essa história de um jeito interativo. Mas é comum das pessoas usarem critérios de avaliação de forma geral, sem perceber que esses critérios não cabem ao tipo de coisa que se avalia. Não se pode avaliar a cor de uma parede querendo dizer que ela tem gosto azedo (a menos que você seja sinestésico).
Bem, voltando ao tema principal que quero tratar: Trazer coisas novas para a mesa velha e empedernida.
Uma coisa que tenho experimentado é ler sobre RPGs diferentes para ter idéias para os que jogo e narro. Atualmente estou lendo Exalted, que me fez ter várias idéias sobre regras e ambientações. Anteriormente eu li Mago O Despertar, que me fez ter idéias para melhorar as regras do Mago: A Ascensão, que o pessoal da minha mesa ainda gosta muito de jogar (e estão com o pé a trás de tentar o novo). Em fim, praticamente todos os sistemas novos que li trouxe algo a acrescentar para mim, que posso usar em minhas narrações e em outros sistemas.
Isso só me faz crer mais ainda que procurar coisas novas pode acrescentar, mas só se você deixar de lado a idéia de que conhecer coisas novas é perder o que já tinha. Mude a mentalidade, use o novo para acrescentar. A mente é sua, você só abandona as idéias que quiser, ninguém obriga você a esquecer o que já tem.
Mas, como fazer para toda uma mesa comprar a proposta? Como fazer para seu grupo de amigos se interessarem por essas coisas novas e querer jogar, seja com você narrando ou outra pessoa? Esse é o ponto chave.
Feirinha de Interior
A primeira coisa que normalmente se faz é falar no bom e velho boca a boca. Divulgar entre os amigos as coisas que está lendo, tentar usar seu poder de expressão e persuasão para que os outros se interessem pela mesma coisa e passem atentar esse algo novo que experimenta. Mas como alguns devem ter percebido, essa estratégia nem sempre funciona.
Material na Mão
Então você pode comprar o livro ou imprimi-lo, caso tenha comprado em PDF. Trazer para a mesa e começar a fazer uma divulgação com o material em mãos. Emprestar o livro, deixar que eles leiam (já que nem todos tem saco de ler no computador). Essa estratégia é um pouco mais eficiente, tendo algo concreto, palpável em mãos, torna as pessoas mais curiosas. Mas mesmo assim, também falha as vezes.
Cenas de Simulação
Uma terceira coisa que você pode tentar fazer é tentar narrar o sistema caso ninguém queira. Da até para conseguir formar um grupo, nem que seja pequeno e começar a jogar para divulgar a coisa. Aí é uma faca de dois gumes. Se tudo sair bem, provavelmente o pessoal que estiver jogando vai fazer a divulgação. Como serão mais pessoas defendendo a idéia, a coisa pode sair melhor. Porém, se a narração não sair bem, o tiro sai pela culatra, a divulgação vai ser negativa e aí que a mesa vai ter mais resistência para uma nova tentativa.
Para ajudar na tentativa acima, sugiro tentar fazer histórias pequenas, com no máximo 5 sessões, ampliando caso o pessoal esteja se empolgando e querendo mais. Isso porque geralmente quando o pessoal começa a jogar algo novo, eles não sabem da regar e se complicam em fazer personagens. É provável que depois de algumas sessões queiram trocar de personagem, e uma história curta ajuda nessa questão. Sem falar que se for curto, o pessoal pode ter menos resistência de tentar, já que é rápido mesmo.
Ainda para essa opção, tenho outra sugestão, que pode até ser considerada uma opção diferente. Ao invés de tentar explicar como o sistema funciona, como funciona a regra de montar o personagem, você pode fazer duas abordagens.
1) Você criar os personagens para os jogadores de acordo com o que eles querem. Nesse caso, o narrador que teria o trabalho de criar a ficha, seguindo as diretrizes do jogador. É trabalhoso para o narrador, mas isso pode sair até mais rápido que deixar a mesa ler e criar seu próprio personagem. Essa é uma ótima alternativa para aqueles membros da mesa mais lentos ou que tem mais dificuldades.
Também é uma ótima oportunidade para o narrador só dizer o que as coisas da ficha representam no sistema sem que o jogador tenha que ler. Isso gera muita conversa e discussão, mas garanto que dessa maneira as informações vão fixar na mente dos jogadores com mais facilidade. O ideal é, até, o narrador explicar o que está fazendo passo a passo, enquanto constrói o personagem para o jogador.
2) Outra opção é trazer alguns personagens já feitos e fazer a primeira sessão como uma aula prática de aprendizado do sistema. Você traz uns personagens pré-feitos e distribui entre os jogadores, podendo até perguntar pela preferência dos mesmos pelo tipo de personagem feito, para que eles se agradem mais do que vão pegar par testar.
Daí então você usa esses personagens para explicar as regras do sistema. Por exemplo, você constrói fichas de personagens bem combativos (pode usar até alguns que já vem prontos na maioria dos livros) para explicar como funciona o sistema de combate. Daí você coloca os personagens em uma cena de combate e vai explicando o que cada jogador tem que fazer. Depois você traz fichas com personagens mais sociais e faz algumas cenas com interação social para o pessoal se ambientar. E aí você faz várias cenas com tema fechado e com personagens pré-moldados para aquele tipo de cena, de forma a tratar de um assunto específico e explicar de forma mais setorial.
Claro que vão haver muitas perguntas e dúvidas, mas serão as mesmas dúvidas que surgirão caso o pessoal vá ler e venha a jogar (com algumas dezenas a mais no caso de não lerem antes). Mas isso vai poupar tempo, porque quando eles forem ler, eles terão menos chance de interpretar mal as regras e terão a melhor noção de como aplicá-las no jogo. Sem falar que já da para passar o clima do jogo durante essas pequenas cenas.
É até interessante fazer isso mesmo que o pessoal já tenha lido um pouco as regras. Reserve uns trinta minutos antes de começar efetivamente a sessão e coloque os personagens deles em uma dessas cenas fechadas, só para eles verem como os personagens se sairiam e como são as regras na íntegra. Depois você volta para a cronologia normal do jogo. Isso pode ser interessante mesmo em mesas veteranas, colocar, colocar os personagens em situações simuladas, para eles interagirem com coisas diferentes, vai que rola até um XP para animar o pessoal.
A Palestra
Uma opção viável é você montar tipo uma palestra com alguns folhetins, trazendo o que o sistema tem de legal e diferente e fazer tipo uma palestra sobre o novo sistema. Se tiver projetor ou TV para passar slides, também é uma boa. Nesse caso é bom só usar imagens, textos muito pequenos e diagramas, como fluxogramas e mapas mentais.
Você pode até pedir ao mestre da sua mesa atual para tirar uns 15 minutos do começo da sessão para fazer a palestra. Pode fazer isso com certa frequência, como a cada duas ou três sessões. Se o pessoal estiver entusiasmado, pode até tirar um dia para fazer isso e já usar a estratégia “Cenas de Simulação” para explicar as coisas.
Ter alguma coisa para mostrar é essencial, de preferência ter o livro um impresso ou poder mostrar o PDF em uma tela visível. Mas ter algo que se possa tocar e ver de vera é algo que tem mais presença.
História Interativa
Uma alternativa que venho tentando usar é criar uma história interativa. A idéia consiste de você escrever uma história ambientada no mundo do RPG que quer divulgar e deixar que o pessoal decida o que o protagonista ou grupo protagonista vai fazer. É como um livro que vai sendo escrito com a participação da mesa.
Atualmente com as ferramentas online que temos a disposição, isso é muito fácil. Blogs, Google Docs, fórums, Google Groups, etc. É algo parecido com a idéia do Play by Fórum, mas com menos liberdade. Parece mais com o sistema de vídeo game de alguns jogos. Seria da seguinte forma:
O bravo herói chega até a entrada da caverna, onde o monstro deveria estar. Ele pensa se deveria entrar logo, ou atrair o monstro para fora de alguma fora.
Daí o pessoal escolheria o que ele vai fazer, podendo até dizer como ele vai fazer. Aí é que entra a grande cartada. Você descreveria em termos de regras como ele faria cada coisa, fazendo rolagens de dados, explicando as regras usadas para fazer as coisas do personagem da história, e depois dando o resultado das rolagens de dado. Você pode até realmente fazer as rolagens de dados ou dizer certos resultados, da forma que for mais conveniente. Por vezes é bom assumir certo resultado para forçar certas cenas a ocorrerem, pois pode ser interessante tratar de algumas regras novas que só aparecerão em algumas cenas.
Um exemplo desse tipo de estratégia é algo que existe no Wiki oficial da White Wolf sobre Exalted, lá existem explicações sobre como algumas regras funcionam. As mais notáveis são sobre o sistema de batalha de Exalted e sobre o sistema de Combate Social. O livro de Exalted é um pouco confuso nas regras dessas partes, e fica difícil de entender como tudo funciona na íntegra (para quem nunca viu nada igual, claro), então, essas explicações do Wiki dão não somente explicações sobre a regra, mas como elas funcionam em uma situação de jogo. Para mim tudo mudou da água para o vinho quando eu li como usar as coisas no Wiki da White Wolf.
Caso você não queira esperar pela interação do pessoal da mesa, você pode selecionar partes específicas das regras e escrever miniaventuras, como no caso citado acima do Wiki de Exalted.
Bem pessoal com isso espero ter ajudado a vocês a trazerem vida nova a velhas mesas, ou mesmo como fazer aquele sonhado sistema que vocês sempre quiseram jogar, mas nunca conseguiram empolgar o pessoal a tentar e fazê-lo saírem da inércia. Se tiverem alguma sugestão, comentem, é sempre bom conhecer formas novas de tentar o novo e aprender coisas para melhorar o velho.