RPG é uma coisa muito interessante por lidar com a escolha de pessoas. E como sabemos, as pessoas tem gostos diferentes, portanto, escolhas diferentes, mas existe uma coisa que agrava muito mais isso dentro do RPG: A falta de limites.
Na vida temos medo, a sociedade, ética, moral, família, mas no RPG não. Seu personagem pode ser o que você quiser e fazer o que quiser, dentro de certos limites não tão limitadores, dependendo do que se joga e de com quem se joga. Tudo isso traz ao RPG uma característica muito boa e ruim ao mesmo tempo: O caos.
Para os jogadores a caoticidade não é algo que assuste tanto, eles querem interagir com tudo e com todos, seja lá como eles vêem essa forma de interagir, matando, comendo, fugindo, pulando, voando, etc. Mas para o narrador o caos é algo que traz potenciais perigosos e que nem sempre podem ser totalmente controlados.
Se me perguntarem se mestrar/narrar é mais planejamento ou improviso, eu direi que depende da situação, mas com certeza o improviso é parte essencial para a fluidez dos jogos. Preparar é ter as ferramentas prontas para serem usadas, é como dar certa forma ao caos. Mas se você preparar demais, estará deixando a forma do caos muito rígida, e seu movimento vai acabar quebrando a forma que você tanto teve trabalho de criar.
Para mim o planejamento é como um rabisco em um quadro. Ele traz traços da obra final, mas ele não é a obra em si. Em suma, ele deve existir, mas não deve ser muito detalhado, preso, sem mobilidade. Até mesmo o preparo das narrações devem ter incutido a possibilidade de mudanças.
Quando preparo uma cena, não amarro as possibilidades que penso como sendo as únicas que podem existir, não fico perdendo tempo pensando em como podar pensamentos que fujam do que planejei, tentando obrigar ou conduzir os jogadores a fazerem o que planejei. Preparo um enredo geral, onde tudo gira em torno de uma idéia para a cena, por exemplo, uma cena de combate que um NPC importante é raptado, o importante é ele ser raptado, não precisa ser como eu quero. Pode ser que os jogadores ganhem a batalha, mas em outra cena, a da fuga, pode ser que exista uma bomba de gás sonífero dentro do carro. O inimigo pode ter aproveitado a distração do combate e implantado alguém para instalar o dispositivo no carro para ser um plano “B”.
Moldar a cena para o NPC ser raptado somente durante o combate pode ir contra o fluxo da cena e deixar os jogadores frustrados por nunca poderem interferir na história. Mas também nunca deixar que os jogadores consigam seu objetivo (como o plano B em questão) pode ter o mesmo efeito. Para o narrador/mestre é importante aproveitar as decisões dos jogadores para criar novas formas de concluir a idéia da cena, mesmo que seja preciso entrar em outra cena para fechar a anterior.
Contudo, satisfazer-se com a frustração dos planos de jogadores é algo que só mestres maldosos ou sádico queiram fazer. Existem mais de mil maneiras de se frustrar os jogadores, mas me pergunto qual o propósito disso? Se existem grupos de RPG apenas se existir jogadores e narradores/mestres, como pode só o mestre se sair bem?
Um NPC que continue vivo ou consiga um êxito em uma ação pode até trazer novas idéias e reações dos jogadores, mas um NPC não mantém uma história viva sozinho ou mesmo em conjunto, é preciso ter os jogadores, por isso eles devem ser considerados com carinho. Nos momentos que os planos do narrador/mestre vão pela culatra, os personagens ganham importância, pois eles é que vão ditar o rumo dos próximos acontecimentos. Nesses momentos de caos tudo pode ser importante, dependendo do quanto os personagens dos jogadores queiram dar importância.
Pode até ser que certos jogadores se abstenham de sair do contexto que acham que a cena tem somente para não fugir dos planos do narrador/mestre e deixar a as coisas seguirem como ele planejou, mas isso é algo raro, porque nem sempre os jogadores sabem o que foi planejado ou ao menos qual o tema da cena. Não se deve contar com essas atitudes, até porque o jogador vai se limitar, e isso não é legal.
O ideal é que a criatividade dos jogadores aumente a criatividade do narrador/mestre, mas para que isso ocorra, ele precisa ser capaz de dominar a arte do improviso e ter bom conhecimento sobre o que quer fazer. Já vi mestres/narradores planejarem cenas apenas por planejar, como uma cena de combate muito bem delineada, mas um combate sem propósito, ou uma cena de uma negociação com um mafioso em que a negociação não tem propósito de existência. O combate vai ocorrer, mas se algo sair do planejado, o narrador/mestre se perderá. A negociação vai começar, mas se o personagem tomar atitudes não pensadas pelo narrador/mestre, o mafioso pode ficar sem ação.
Toda cena deve ter um propósito de existência. Um combate para derrotar o inimigo não é tão completo como uma cena de combate para impedir o inimigo de matar um familiar de um personagem. Perceba a diferença, matar o inimigo é simples, basta matá-lo, mas fazer isso motivado por alguma coisa extrapola o simples combate. É importante que o personagem ou o jogador tenham motivo para fazer o que fazem, e isso que faz toda a diferença.
Quando se tem isso em mente, fica mais fácil planejar um enredo em cima do contexto, fica mais fácil de improvisar as coisas para que se mantenham dentro do propósito. Dessa forma o planejamento é um rabisco, e o improviso é a finalização do desenho. Ambos se completam e dão forma ao produto final.
Só o planejamento faz as coisas ficarem muito previsíveis e fechadas. Os jogadores podem ter a sensação de que sempre serão obrigados a fazer o que o narrador/mestre quer e não possuem poder de escolha. Ter unicamente o improviso pode fazer as cosas parecerem desconexas, sem pé nem cabeça. Pode tirar a objetividade das cosas e fazer os acontecimentos fluírem lentos, pois você tem que tirar o coelho da cartola toda vez, e nem sempre as idéias saem tão rápido quanto se precisa.
Na minha humilde opinião a fórmula certa é planejar sem aparar todas as arestas e deixar coisas semiprontas para serem usadas na hora do bom improviso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário